quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Gêneros e Preconceitos nos Quadrinhos

Uma discussão muito recorrente relacionada a quadrinhos é se a mídia HQ deve ser considerada arte ou cultura. Obviamente quadrinhos são uma manifestação cultural e artística e os argumentos para comprovar isso vêm de gente muito mais gabaritada e vivida do que eu. Profissionais, amadores, leitores e pesquisadores sempre reclamam do preconceito que muita gente tem contra as HQs. Preconceito que vem, como sempre, da ignorância e desconhecimento.

Mas tenho notado também que mesmo entre os iniciados e até entre profissionais do traço e organizadores de eventos de HQ, existem alguns preconceitos que perduram.

Muitos garotos fãs de mangá debocham de quadrinhos de super-heróis apontando que o Superman "usa cueca por cima da calça". Uma observação fora de contexto que só pode partir de quem nunca leu clássicos como Para o homem que tem tudo e O que aconteceu com o Homem de Aço?, ambas escritas pelo cultuado roteirista de Watchmen, o inglês Alan Moore. Também já vi muitos fãs de animês debocharem de fãs de tokusatsu (os filmes e seriados de efeitos especiais), apontando que são todos filmes mal-feitos e direcionados somente para crianças.
Entre autores de quadrinhos independentes e charges, já vi também muita gente desprezar super-heróis e agora, a bola da vez, o mangá.

Muitos torcem o nariz pra mangá porque "tem que ler de trás pra frente" ou que "só tem violência e sexo". Ora bolas, isso parece papo de velho incapaz de se adaptar ou de aprender algo novo e de gente que viu superficialmente meia dúzia de trabalhos e saiu julgando. Há muitos temas e abordagens no mercado de mangás, com muito mais diversidade de temas do que em qualquer outro mercado. Sobre a ordem de leitura, o idioma japonês é feito para leitura da direita para a esquerda. Seguir balões e quadrinhos nessa seqüência exige um esforço de aprendizado infinitamente menor do que aprender uma outra língua. Mas os preguiçosos de plantão colocam isso como empecilho para novas experiências de leitura em seu próprio idioma.

Essa característica de leitura inversa ao modo ocidental, infelizmente, também confunde a cabeça de muita gente que gosta de mangá. É comum que adolescentes, crianças - e até adultos desinformados - digam que mangá é "gibi que a gente lê de trás pra frente" tanto quanto dizem que "mangá é desenho de olho grande". O que não sabem é que muitos mangás já foram editados com a ordem de leitura ocidental - num processo de remontagem ou inversão das páginas. Esse processo não transforma mangás em outro tipo de quadrinho. E nem todo mangá tem o olhão brilhante e expressivo dos mangás feitos ou influenciados pelo lendário Osamu Tezuka.

Muitos críticos de mangás também repudiam a HQ japonesa por dizer que os desenhos são "todos iguais". Uma olhada no quadro acima mostra algumas variações possíveis dentro do mangá. E sobre temáticas, basta comparar Lobo Solitário, Video Girl Ai e Gon para saber que reunir todos os mangás numa mesma abordagem é algo equivocado. Outros dizem que não têm paciência pras intermináveis lutas de mangás ou animês de combate. E ignoram obras-primas como o manifesto pacifista que é Gen - Pés Descalços ou o suave romantismo e drama de Onegai Teacher. Citei dois exemplos bem diferentes, mas o mangá possui uma diversidade de temas e abordagens tão grande que eu costumo dizer que as pessoas que dizem que não gostam de mangá o fazem porque ainda não acharam um tema que lhes interesse.

Do outro lado, os fãs de mangá que ridicularizam HQs de super-heróis como se fossem todas iguais deveriam deixar um pouco de lado o preconceito que tanto reclamam sofrer e experimentassem obras como o já citado Watchmen, Cavaleiro das Trevas ou tentassem ler outros tipos de HQs feitas nos EUA, como Bone, Estranhos no Paraíso, Concreto, Love and Rockets ou algum outro que saia do tema super-heróis. E nem estou falando do quadrinho nacional, europeu ou mesmo da HQ hindu. As opções são muitas de ambos os lados, mas falta boa vontade em muita gente para conhecer o misterioso gosto de quem vive fora do seu mundinho. Fechar a mente num gênero só e desmerecer o gosto alheio é, infelizmente, algo comum em qualquer meio. Mas não deveria ser em um meio - a HQ, mangá e afins - que luta para se afirmar como arte e cultura perante a sociedade.

Não ajuda em nada quando pessoas que circulam em nichos de mercado ficam criando mais preconceitos ainda dentro dessa área tão complicada que é o mercado das histórias em quadrinhos. Preconceito não deixa de ser uma atitude imatura. E HQ não é, como os aficionados sempre repetem, uma leitura meramente infantil.

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